segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Fonte do Cabo do Lugar


 A fonte do meu lugar
Ponto de encontro para amar
Noutro tempo à noitinha
Está para ali a chorar
Por ninguém lá ir buscar
A sua água fresquinha.

Cântaros de barro à cabeça
Já não há quem os conheça
Na elegância do andar
Das moças namoradeiras
Acabaram as cantareiras
Que havia dantes no lar.

Lembra a fonte com saudade
Segredos da mocidade
Devaneios do coração
Hoje há água da rede
E ninguém lá mata a sede
de amar que havia então.

Em ti bebeu tanta gente
Foste minha confidente
Oh fonte da minha Aldeia
Peço-te perdão a cantar
Por nunca mais me sentar
No banco que te rodeia.

A minha fonte esquecida
Sempre fiel e amiga
Merece aqui ser lembrada
Porque após tanto enredo
Do que ouviu guardou segredo
Do que viu não contou nada.

VG
(escrito há muitos anos)

domingo, 1 de novembro de 2015

Dia de Finados


Num mundo de várias cores
Procuro estar inserido
Se puderes, dá-me flores
Mas antes de eu ter morrido.

Não chores na minha campa
Lembra que não me faz bem
Podem acordar meus olhos
E chorar por ti também.

Não chores na minha campa
Não vale a pena chorar
Fica molhado o teu rosto
E quem o há-de enxugar?

Não chores na minha campa
Isso não me dá conforto
Eu só sinto enquanto vivo
E eu já não vivo estou morto.

Não chores na minha campa
Eu por ti não chorarei
Fecho-te no meu coração
As chaves nunca as darei.

Planta flores na terra
Faz deste mundo um jardim
Onde não haja mais guerra.
E não chores, não? Por mim…


|Viriato Gouveia – Aldeia das Dez |

domingo, 22 de fevereiro de 2015

A todos a cada um dos meus irmãos


30-12-1926 Aldeia das Dez
|de Artur Gouveia e Lucinda de Jesus|
22-02-2015 (E.U.A.)
para a minha irmã Beatriz
hoje, para sempre e
até um dia,


Minha mãe chamou pelo nome
os filhos que Deus lhe deu:
Chamou António e chorou,
erguendo o olhar ao Céu.
Crente outros chamou,
Beatriz... Viriato... olha,
este é mesmo o retrato
de quem cá o mandou vir!
Manuela... Leopoldina...
e depois já a sorrir
chamou por outra menina,
Fernanda... anda, vem anda,
também tens o teu lugar!
Graças a Deus cabem todos!
Agora falta chamar
mais dois que eu quero beijar:
Manuel... o meu menino,
um rosto de sol sorrindo
no mês de abril a cantar!
Anda menino, vem...
e o Abel chegou
no mês de maio e ficou
no teu coração de mãe!

Viriato Gouveia|2005


terça-feira, 11 de novembro de 2014

Na concha da minha mão


Oh minha Aldeia das Dez
Maravilhas de encantar
São as paisagens que ofereces
De graça ao nosso olhar

O meu amor prometeu
E não podia cumprir
Prometeu que me levava
Ao céu e voltava a vir

Passo o tempo na ilusão
A pedir-te como um louco
Meu amor não digas não
O que te peço é tão pouco

Aqui no Largo da Fonte
Vejo o meu amor passar
Leva os beijos que lhe dei
E deixa os que lhe quero dar

Água da bica a correr
É mais fresquinha no verão
Meu amor foi lá beber
Na concha da minha mão

Meu amor espera por mim
Que eu te quero abraçar
Os beijos que tu me deste
Quero-tos voltar a dar

.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Um avião na manhã de abril

à memória de Alfredo José da Silva Brito


Era manhã de abril, o sol beijava

a terra como amante venturoso e
por entre os verdes prados semeava
os raios do seu brilho luminoso.

Tudo era calmo. Tão sereno

na placidez do tempo tão certinho.
Nem uma leve aragem agitava o feno
onde a perdiz no monte faz o ninho.

Mas, eis que no límpido céu voando à solta

surge um pássaro estranho batendo as asas
numa incógnita viagem sem ter volta.
E pousa a ansiedade sobre as casas.

Num intrépido e temporão voo rasante

embriagado pelo sol da juventude,
desafia o perigo a cada instante
quebrando em toda a serra a quietude.

Cobrou o seu tributo à mocidade

desprevenida, generosa e folgazã.
A morte levou sem ter idade
um jovem naquela leda manhã.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Ouve



Haverias tu de ouvir o que eu não digo.
Escutar o que eu diria, se dissesse
que há mil claros dias sem abrigo
quando em pleno sol tudo anoitece.


terça-feira, 25 de junho de 2013

Nascem pássaros por dentro




Nascem pássaros por dentro
das árvores no meu quintal.
Tal qual como noutro tempo
de maneira original.

Em bercitos de ternura,
sem alta tecnologia.
com a mesma arquitectura
que não perdeu mais-valia.

Aproveitam materiais
ao abandono perdidos
que são os mais naturais
pela natureza oferecidos.

Acartam musgos e penas
e nunca levam as minhas.
Pudera, se vão crescendo
dentro de mim escondidinhas.

São assim simples e belas
como as rosas de um jardim,
vêem cantar-me à janela,
mesmo à beirinha de mim.

Oh, natureza eu te canto
porque nunca me traíste.
O que me ofereces é tanto
e tão pouco me pediste.



segunda-feira, 24 de junho de 2013

Nas noites cor de agosto




Vou pelos campos fora enluarados,
nas noites cor de agosto e vento ameno.
Escuto o tinir dos guizos nos cercados,
nas camas de luar feitas de feno.

As sombras não cativam os meus passos
marcados no caminho sobre o chão.
Ergo no deserto os meus dois braços.
Só o silêncio me abraça e dá a mão.

Pelo estio no palco das ramadas,
ensaia o rouxinol a partitura,
aberta nas serenas madrugadas
em estantes de beleza e de ternura.

E vou pela paisagem onde me prendem
os montes, os vales e os rios.
Quadros de encantos mil que se não vendem,
por entre penedos altos e bravios.



terça-feira, 11 de junho de 2013

Há um ano, há um dia, há uma hora




Há um ano, há um dia, há uma hora,
há uma eternidade, há um segundo.
Há uma dor indizível que não chora,
calada no teu peito mais profundo.

Há um querer de força não cativa,
liberta, até à hora derradeira.
Acaso pensa a morte que me priva
de andar contigo a par a vida inteira?




A casa paterna




A casa era modesta, mas airosa,

erguida à sombra de um pinhal
junto à beira-serra na encosta
com paredes em granito natural.

À porta uma videira moscatel

fazia sombra à entrada sempre franca.
Os armários, forrados a papel.
Na mesa aberta a toalha branca.

O sol entrava livre pela janela

e o luar quando vinha a lua-cheia.
À noite era a luz mortiça de uma vela
ou a luz do azeite puro da candeia.

No lajedo da cozinha, se era inverno,

ardia o fogo vivo de um braseiro.
Suspensa a panela de ferro com três pernas.
No chão, panelas de barro do oleiro.

Havia o orvalho da manhã

e o galo a cantar na capoeira.
Da horta vinha um cheiro a hortelã
e o murmúrio da água, da ribeira.

Havia o chiar dos carros manhã cedo,

puxados pelos castanhos e mouriscos,
e por entre a ramagem do arvoredo
acordavam os melros e os piscos.

Na adega havia os pipos da reserva,

onde o néctar ali jorrava a rodos.
Se na Aldeia o dia era de festa
pela porta franqueada entravam todos.



domingo, 5 de maio de 2013

Mãe

.
.
Mãe, se te quero ver
abro a memória por dentro da alma
à beira do amor e
chamo por ti.

Soletro o teu nome, o teu nome de luz, Mãe!

Nas cerejas de maio,
no teu colo de oiro,
no teu rosto de paz e claridade

e fico
à janela dos teus olhos,
até à eternidade.



2007, como hoje...





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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Setembro de saudade

.

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É Setembro, já as fontes
Cantam baixinho e agora
Secam as ervas nos montes
E as rolas se vão embora.

É Setembro das vindimas
Das desfolhadas na eira
Dos milheiras das espigas
De abraços de brincadeira.

É Setembro da saudade
De voltar à minha Aldeia
E num abraço de amizade
Envolver quem nos enleia.

É Setembro, adeus, adeus,
A primavera há-de vir
Pintar de verde a paisagem
Num cenário a florir.

É Setembro rolam folhas
Pelo chão em desalinho
E eu à procura do sonho
Sem encontrar o caminho.

É Setembro, já no fim
Vem o Outono cinzento,
Quando o amor diz que sim
Brilha sempre o sol por dentro.

1997

-

Montes da minha Aldeia

.

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Montes da minha paisagem,
desta paisagem bravia,
quem vos despiu a roupagem
que eu vos vi vestida um dia?

Manto da cor da verdura,
retratos de outro olhar.
Geografia, lonjura,
com outra forma de estar.

Penedos altos esguios
de sagrada arquitectura
pela natureza erguidos,
do modernismo arredios.
Ando à vossa procura.

Minha paisagem sadia
onde me sento e descanso
à sombra das penedias.
Breve viagem em que espero
ouvir o canto que enleia
p'ra amainar o desencanto
de que trago a alma cheia.

Ai montes do meu olhar
que a natureza esculpiu
e o vento foi burilando,
em pormenores de beleza
que mais lindos ninguém viu.

Oásis de encantamento
quem foi que assim vos despiu
e abandonou ao relento,
na noite dos devaneios?
Montes, redondos enleios
vistos da minha janela.
Mais parecem castos seios
de recatada donzela.

Em pose de formosura
e quartos de lua cheia.
Eu vou à vossa procura
lá no alto, no altinho,
onde o açor planando
bate as asas e voeja
e a cotovia faz ninho
à sombra d'uma carqueja.

Há um paraíso esquecido
onde mora a eternidade.
Até quando, até quando
só Deus sabe. Eu vou esperando
outro tempo, outras vontades,
na miragem que me enleia
até curar as saudades,
de que trago a alma cheia.
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Escrito após o grande incêndio que em 1988 destruiu grande parte da floresta de toda a freguesia.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

havia além do rio


.
Havia um poema à beira-rio
Por entre o verde dos amieirais
Onde as rolas de porte airoso no estio
Descuidadas noivavam aos casais



Quando o mundo em sobressalto se agitava
Vinha a vida em paz serena aqui morar
E havia a moleirinha que passava
Com promessas de pão no seu andar



E havia além do rio verdes prados
Onde os gaios em julho debicavam
As espigas do milho tenro e grado
Rindo dos palhaços que as guardavam
.

dor dizível

.
Tenho uma dor que digo.
Outra que não sei dizer.
Naquela, encontro abrigo.
Esta só me faz sofrer.
.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

colcurinho

.

Parecem castos seios de donzela
Os montes da paisagem natural
Que da minha panorâmica janela
O meu olhar afaga quente e sensual.

À noitinha quando a lua os vem beijar
Que lindo é ver o seu enleamento,
E a natureza em segredo a apadrinhar
O abraço que eles dão nesse momento.

Também é minha amante esta paisagem.
Em qualquer tempo, cheia de beleza,
Prendeu-me irrevogavelmente o coração.

Com trejeitos suaves de bem-querer
Enleou o meu olhar para eu dizer:
Que belo é viver nesta prisão.
.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

a caminho do rio


.
"Já é aqui a ria, pai?"..., nesta secura
onde o pó aos quadrados se amontoa.
- Não, meu fiho, o rio é outra lonjura...
Além é que a saudade nos magoa.


Onde as margens seculares espreitam
a água a fugir delas, delirante,
e há folhas e flores que enfeitam
na relva, a cama livre dos amantes.


Onde a sombra cai na água ás cavalitas
e à pedras de tons e formas esquisitas
nas montras do areal quando é estio,


e a beijar a água há salgueirais
onde as rolas noivam as casais...
- Além..., meu filho, é que é o rio!
.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

para o meu neto

Nuno Gomes Gouveia
no dia dos seus quinze anos

.
É tão grande a esperança
O querer é maior
Procura e alcança
Para ti, o melhor.



No teu tempo certo,
Estuda e porfia,
Ficarás mais perto
Do saber, um dia.



Não esperes, sê forte!
Persegue o teu norte,
Confia na vida.



Que a vida, e só ela,
Sedutora e bela,
Te dará guarida.
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(um abraço dos avós Viriato e Maria Soledade - Aldeia das Dez, 08 de Dezembro de 2009)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

o tempo nunca é como era antes

.

Havia uma casa, havia duas,
lá no monte mais além havia vida.
Havia um povoado onde as ruas
eram socalcos de terra florida.

Havia uma latada ao pé da porta.
Havia a casa cheia como um ovo.
O galo a cantar na capoeira,
cantando anunciava um dia novo.

E havia um tempo onde agora há outro,
neste correr de tempos delirantes.
O tempo é sempre novo e sabe a pouco.
O tempo nunca é como era dantes.

Agora só no monte baila o vento
à noite com as estrelas cintilantes,
e a casa do silêncio tem lá dentro
guardado, o segredo dos amantes.

Havia o tempo azul. Corriam lentos
os dias de horizontes verdejantes.
A vida é um vai e vem de movimentos.
E o tempo nunca é como era dantes!